#2- Fofoca contada pela metade quase mata fofoqueira
Eu sou um fofoqueiro nato, amo ler fofocas de celebridades e reality shows e adoro principalmente quando as senhorinhas da minha rua se reúnem para atualizarem umas às outras dos últimos acontecimentos da cidade. Sempre fui adepto da teoria de que fofocas edificam qualquer relação.
Quem me conhece já está cansado de saber que meu atual hiperfoco é a literatura Russa, mais especificamente os livros do Nikolai Gogol, que diga-se de passagem, sabe contar uma fofoca tão bem que se estivesse vivo no século 21 provavelmente seria um colunista da Choquei. Talvez tenha sido exatamente o ponto que me fez devorar “almas mortas” a obra prima do Gogol.
Essa é a premissa básica da obra: Tchitchikov, nosso protagonista, é um homem bem apessoado, charmoso e com um papo capaz de convencer qualquer pessoa. Seu único defeito é o fato de ele comprar almas mortas. Imagine que você é um cidadão russo, super moralista e bem de vida, e de repente descobre que um homem misterioso está andando por aí comprando almas mortas. Qual o lógico a se fazer em casos assim? Procurar a polícia? Óbvio que não! A melhor opção, obviamente, vai ser fofocar por aí e descobrir o que está rolando.
E é assim que a história se desenvolve, uma fofoca contada aos poucos. Ninguém além do escritor sabe o que está rolando, mas isso não impede que a gente crie nossas próprias teorias. Será Tchitchikov um enviado do governo para investigar a crescente mortandade de serviçais russos? Será ele um bandido asqueroso capaz de sequestrar a filha do governador?
A primeira parte do livro é quase inteira nesses moldes, vamos descobrindo aos poucos junto com as outras personagens o que diabos está acontecendo. Só no finalzinho da parte um que a narrativa começa a se estreitar e o protagonista ganha contornos mais claros. Vale ressaltar que o protagonista aqui, nas palavras do próprio escritor, é um personagem que pouco se assemelha com o que estamos acostumados a ver por aí. É um personagem dual, com motivos obscuros, um verdadeiro anti-herói. As almas mortas que ele tanto insiste em comprar são apenas a pontinha do iceberg.
Mas Tchitchikov não é o único personagem com moral duvidosa na narrativa, Gogol conseguiu criar uma gama de outras personalidades tão duais quanto ele. Ninguém é santo, todo mundo esconde alguma coisa. E é exatamente nesse ponto que o escritor captura o leitor. Quando menos percebemos estamos submersos em uma trama do século retrasado, mas que consegue descrever tão bem comportamentos que ainda permeiam a nossa sociedade. É um clássico atemporal, escrito com maestria e uma dose certeira de sarcasmo.
Gogol, quando formulou a ideia por trás da obra, pensou em escrever três livros, mas, por motivos que não nos é possível saber, acabou queimando os manuscritos da continuação.
E é assim que a grandiosa fofoca russa finaliza, em aberto, deixando o leitor com a boca salivando, ansiando por mais detalhes da vida alheia.